Sunday, April 22, 2012

Álbum de figurinhas_continuação

A vendedora pop


Em moda nada se cria, tudo se aproveita. O ciclo é de 20 anos, portanto o resgate é inevitável. A criatividade está nos detalhes e na adequação ao contemporâneo. A história da moda indica não apenas a superficialidade que se aponta como defeito, mas o comportamento de um determinado grupo em determinada época, de acordo com seus valores, crenças, clima, etnia e desenvolvimento, cultural e econômico. Verdades absolutas duram exatos 6 meses e a indústria ferve antecipando estações. Seguir a moda fielmente é perda de tempo e desperdício de oportunidade. Porque o que cobre o seu corpo pode revelar muito sobre quem você é ou pensa que é, em que grupo está inserido, em que tempo flutua, o que pretende. Verdade também absoluta que dura 60 segundos, o tempo de despir-se. O chato do mundinho são as frases feitas, os bordões, os entendidos, os que a intelectualizam.

Acorda!! Esse pedaço de pano é apenas a mais pura fantasia e não o julgamento de Sócrates. 

Desde criança, um dos meus lugares prediletos era sentada no meu banquinho de madeira ao lado da máquina de costura de minha avó. O barulho de seu trabalho, sempre exemplar, enchia minha cabecinha de ideias e fantasias. Tentava, em vão, costurar algo para minhas bonecas, mas sempre me faltou talento para trabalhos manuais, o que para uma pessoa que tem ideias borbulhando é uma angústia atroz.

Criado esse hábito pude aprimorar meu reconhecimento, o que inclui meu corpo e o que lhe cobre bem. Pude ir aprendendo um pouco sobre tecidos e cortes, cores e combinações e elaborando meu próprio estilo. Com ajuda de minha vó, que acabou me criando um problema: roupas feitas sob medida... Lembro que por vezes desenhava mal um novo vestido e em um passe de mágica lá vinha ela com a peça pronta e perfeita. Nem preciso dizer como fiquei perdida quando ela precisou parar de costurar porque sua coluna estava em frangalhos. Tudo bem, vamos ao que já está pronto.


1.    Você roda a loja, encontra umas peças que te agradam, vai ao provador, 3 segundos depois a moça começa a tentar enfiar a cabeça pela cortina e pergunta: como ficou? Posso ver? Ui, como me irrita. Digo logo: puxa, acabei de tirar...

2.    Você veste, mas precisa de espaço e de um espelho maior e cai na asneira de sair do provador. A moça logo saca: - noooossa, ficou lindo em você. Também com esse corpo, essa altura... Quer experimentar com um cintinho?

3.    Você se encanta por um vestido que está na arara, em tamanho P e você pede em tamanho maior. Não tem. Ela com toda sua genialidade lhe intima: mas experimeeenta, de repente dá. Docemente você explica: Não, meu bem, eu sou G, não vai caber. Ela insiste: - mas experimeeenta! Você coloca a peça na frente do seu corpo e generosamente tenta: - você está vendo a cava do vestido, a marca do ombro? Vê onde acaba o tecido e que após o meu ombro continuuua? - Ah, ela suspira, mas experimeeeenta!

4.    Costumava frequentar uma loja que tem umas peças bacanas, não tão ‘o mesmo de sempre’, tive uma bruta sorte e a menina que me atendia me sacou e me deixava à vontade e colocava a opinião em momento certo, lembrava-se de peças que eu curtiria e seguia nosso relacionamento, vez ou outra me ligava ou mandava e-mails me convidando para uma visita. Uma menina de talento, sempre vendia bem. Até um dia que ela saiu da loja, fiquei chateada para logo em seguida ficar apavorada... comecei a receber e-mails da vendedora que herdou os contatos dela e seguiam um formato próprio de vendedora que não me conhece: “oiiiiii, onde você andaaaaa!!!!!!! Venha nos visitaaaaaar, temos blusinhas liiiindas que acabaram de chegaaaar!!!!!!! Estou te esperando, hein!!! Beijossssssssss.” Stalker! Belo dia, reencontrei a doce menina em outra loja e contei o ocorrido (vários e-mails no mesmo tom) e ela, chateada disse que duas clientes antigas vieram contar o mesmo e que estavam irritadíssimas, uma inclusive andava com o e-mail impresso com medo de sofrer um sequestro ou abdução.

5.    Você sai da academia e resolve ir ao shopping. Adora vestido longo e escolhe um, que lhe cai bem. A vendedora diz que está liiindo (ufa, que bom, não me sentiria segura sem a opinião dela), mas que você deveria usar com uma rasteirinha. - Sério? Não, não, lindinha, tô comprando para usar com esse meu Nike Air mesmo, não gostou? - Ah, claro!! Ficou diferente.

6.    Há alguns anos descobri uma loja que adoro, eu e minha irmã compramos muito por lá. Além de tudo tinha um atendimento ótimo. A marca cresceu e o casting de vendedoras inclui apenas jovens na casa dos 20 anos, charmosas e simpáticas sempre, mas que seguem um roteiro. A pessoa entra na loja e diz: - por favor, eu quero um sapato preto, fechado, de salto quadrado médio. A vendedora solícita vai ao estoque e volta com 16 caixas de sapatos, entre eles, uma rasteira dourada com uma pedra verde, uma sapatilha roxa, um peeptoe xadrez, um salto agulha e talvez se der sorte um preto fechado com salto quadrado médio. Você sorri amarelo, experimenta e em seguida vem a indefectível colocação: - esse fica ótimo com uma calça jeans e uma camiseta branca. O que além de ser uma informação absolutamente óbvia é inócua, uma vez que eu não uso calça jeans com camiseta branca!!

7.    Boa mesmo é quando você se apaixona por aquela camiseta e quando vai pagar a moça logo te anima, tentando te deixar segura da compra, te juntando à multidão: - que bom que você resolveu levar, todo mundo tá levando, essa era a última. - Ôôô... puxa, que bom...(obrigada por me brochar)


Na verdade, apesar de muitas vezes me irritar eu acabo agradecendo por me forçarem a fazer uma economia, especialmente naquelas situações em que no segundo que você entra na loja vem a moça e começa:

- oi, sou Gesgilayne, você tá procurando alguma coisa em especial?

não, obrigada, gostaria de dar uma olhadinha.

claro, fica a vontade, mas é pra alguma ocasião, festa?

não, só vim olhar as novidades.

ah, que bom, olha aqui esse vestidinho já é da nova coleção, qual seu tamanho?

ehhh, eu volto mais tarde.

Inocentemente e animadíssima:

volta sim, e não deixe de me procurar.

E o pior é quando eu sou profundamente grossa e arrogante e declaro - não sem antes ter passado por uma bateria de interferências absurdas, bom ressaltar -:

- pode ficar tranquila, que eu sei exatamente o que eu quero e já trabalho com moda há 20 anos, então eu tenho uma noção do que devo comprar.

E só de castigo recebo:

- ah, então você vai adorar essa nova proposta que chegou hoje na loja!

Eu odeio novas propostas.

Outro dia experimentei um sapato, que acabei comprando, ainda mais estimulada pela criteriosa avaliação da menina:

- esse você vai perceber que valoriza as pernas.

Pensei com meu piercing:

- sério? Nossa, que novidade, um salto 10 que valoriza as pernas.


Afinal de contas são crianças como você (já foi um dia). Estão tentando ganhar a vida e experiência, estão certas de que já detém a expertise necessária para ajudar toda e qualquer pessoa a fazer um makeover, sem a necessidade de perceber as nuances; os comportamentos, os corpos variados.
Leva tempo.

Saudade de frequentar minha loja favorita, uma das primeiras multi-marcas do Rio em que as vendedoras eram mais maduras, gentis e estilosas e principalmente criavam uma conexão com você. Sempre a mesma me atendia, conversávamos amenidades e ela dizia só: volto já. Eu nem olhava as araras, ela trazia tudo que eu gostava, no tamanho certo. E ninguém te forçava a comprar mais do que você planejara. E ainda ouvia um: - acho que esse não ficou legal, não está combinando com você, ou - ficou apertado. Porque além de agradar corria a vontade de estabelecer a marca e sua personalidade o que significa não vender em massa. Adoro.

Massa só ao molho pesto.

Tudo isso para dizer que quando se trata de decidir o que comprar sou chata mesmo, não demoro horas no provador, nem fico insegura, se restou dúvida: não levo. Se agradou: faço as contas. Sei o quanto me custa cada centavo e pior ainda sei o que quero e o que me cai bem e o que me cai mal. Sou minha própria stylist e, para eu dar chance de considerar sua opinião a moça tem que comer muito feijão com arroz; temperar com azeite e açafrão e salpicar uma salsinha.

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